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sábado, 26 de dezembro de 2009

"Contos de Outono" (2.009)


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Este meu conto foi selecionado para publicação, pela editora Câmara Braseleira de Jovens Escritores. 

"A Volta da Mulher Livro"

     Com a mão aberta e espalmada acariciava mais uma vez aquele dorso, aquele tronco, aquela pele anunciada em letras douradas. Esperta e com capas abertas como um pára-quedas para amortecer a própria. Mas a mão do leitor de nada quis saber e enfiou-a, arquivando-a como que para sempre na estante.
- Que petulância, que despautério! - pensava a mulher livro.
     Depois que o tal leitor havia gozado, graças ao seu corpo e conteúdo, numa relação de alguns dias, já que o leitor era um tanto lento, e considerando que seu conteúdo era um tanto farto, resultando assim em uma semana de romance interno e externo.
     Sendo assim satisfeito, lhe dava as costas como algo vencido e superado em sua medíocre vida de leitor faminto, mais um, mais uma, e partia para a outra prateleira a usufruir mais um corpo para se deleitar de outra ostra literária.
- Não se abram, não se deixem levar, não se entreguem! - exclama a mulher livro ao ver-se sendo descaradamente, trocada por outra, ou por outro. - Quanta promiscuidade!
     Assim em meio à multidão da estante, mesmo assim sentia-se só, e pensava com suas páginas. Ele me acariciava página a página com suas mãos de pianista, tocando-me como um instrumento raro, conheceu-me totalmente por dentro, primeiro desfrutou de minha contracapa, degustou de minha introdução, delicio-se com minhas linhas e entrelinhas, devorou-me em capítulos, fartando-se com brilho nos olhos a cada revelação, depois chegou comigo ao prazer final, salivando com tal ambrosia literária. Com olhar malicioso e saciado com o manjar dos deuses, segurou-me fechada, assim descansei um bocado de tempo quase adormecendo em repouso sobre seu sexo intumescido.
     Doce ilusão momentânea, não me abriu mais, não me tocou, apenas arquivou-me como tantas outras, como tantos outros.
     Sendo assim seria tudo ou nada, atirei-me quando ele passava, este me amparou com palma macia, não resistiu, abriu-me, vociferou uma de minhas partes mais prazerosas, não resistindo, manteve-me aberta, a devorar-me novamente assim, levou-me novamente para sua cama. Era só isso que eu queria, mais uma vez. Havia valido a pena esperar, já havia se passado cinqüenta anos, até atira-me na sua frente após decidir o arriscado suicídio com final feliz.
- A volta da mulher livro.
     Não sabia quanto duraria, mas quem sabe? Poderia tornar-se seu livro de cabeceira definitivo deitada sobre o criado-mudo e sob o despertador calado. Eterno triângulo amoroso adormecido ao lado do amado leitor envelhecido.

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